Como tudo começou...

Era uma vez uma menina que adorava escrever. Escrevia desde sempre, desde o dia em que aprendeu que, juntando letras, formava palavras; e que, jogando com as palavras, criava frases e textos com significados que espelhavam os seus estados de alma.
Certo dia, essa menina cresceu e com ela continuou a crescer a vontade de escrever. Licenciou-se em Comunicação Social e sempre exerceu funções relacionadas com a arte da escrita e com as várias funções das palavras. Essa menina nunca deixou de o ser; manteve-se nela a capacidade de questionar o mundo e as coisas, capacidade essa muitas vezes exclusiva das crianças.
A menina-mulher foi mãe. Duas vezes foi mãe e duas vezes sentiu o mais nobre e altruísta dos sentimentos: o amor desinteressado, genuíno, puro e de tal forma forte que é capaz de quebrar qualquer barreira. As histórias começaram a ser contadas desde muito cedo, para as barrigas que aninhavam as bebés… depois começaram os livros infantis a conquistar todos os espaços da casa, assumindo protagonismo entre os brinquedos das crianças. Livros às refeições, livros antes de dormir, livros preferidos a substituírem o tradicional ursinho para adormecer, livros que são também grandes amigos.
Ao nascer a segunda filha, a primeira sentiu-se atemorizada, receosa. Sentiu que o seu mundo tremia e que o amor dos pais, até então exclusividade sua, era agora dirigido a um ser mais pequenino, mais frágil e mais exigente de atenção. Apesar de inúmeras conversas, presentes, abraços e beijinhos, a primeira filhota permanecia assustada e triste, muito triste. Como nada resultava, a menina-mulher-mãe, entre mamadas, noites sem dormir e hormonas em revolução, decidiu procurar um amigo que pudesse ajudar a sua menina mais velha. Um livro, claro. Após uma incessante busca online e, depois, em livrarias, lá encontrou um que quiçá poderia ajudar. O livro abordava a temática de ‘ter um mano’. Ao lê-lo, a mamã alterou a história, criando frases e imaginando situações com as quais a sua menina se pudesse identificar. O livro era bom, sem dúvida… mas, ‘e se fosse feito à medida das necessidades da sua menina, que atravessava uma fase tão difícil da sua tão curta vida?... Seria bom’, pensou. A filhota levou depois o livro para o infantário e, usando-o, a educadora conseguiu trabalhar o tema com as crianças (várias estavam a passar pela experiência de terem um mano…), criando nelas a convicção de que o amor dos pais não se divide. Multiplica-se.
Apesar de não ter sido feito ‘à medida’, a mamã ficou grata àquele livro. Foi um bom amigo da família quando a família mais precisou dele.
Noutra ocasião, quando a filhota mais velha finalmente acedeu a libertar-se do seu complemento ‘chupeta’, outro problema surgiu. Roer as unhas. Bastava as mãozitas estarem desocupadas e logo caminhavam rapidamente para a boca, a fim de substituírem a amiga que partira… Daí a roer as unhas foi uma questão de semanas… De nada servia conversar, explicar os malefícios desse vício, ralhar ou colocar vernizes supostamente muito azedos… ‘Sim, mãe, sabe mal… mas mesmo assim não consigo parar de roer as unhas! Não consigo. Ajuda-me…’ A menina-mulher-mãe mais uma vez decidiu recorrer aos amigos livros. Contudo, desta vez nada havia publicado que focasse este tema e que pudesse ajudar. Em conversa com outra menina-mulher-mãe-tia das meninas e que também é psicóloga, surgiu a ideia de encontrar uma forte aliada para a menina se sentir cheia de poder. Uma fada. Uma fada que tinha tanta, tanta força, que não permitiria que as unhas voltassem a ser roídas. Condição: sempre que as mãozitas estivessem desocupadas, teriam que segurar a fadinha com muita força. A fada chegou, a menina adorou e as unhas deixaram de ser roídas. Excelente. Até ao dia em que a fada se perdeu no parque… e a ansiedade, o medo e a sensação de falta de protecção se apoderaram da menina. A menina-mulher-mãe não conseguiu comprar uma fada igual e não poderia deixar passar muito tempo até arranjar uma substituta à altura; para além disso, a menina não poderia achar que aquelas fadas, tão especiais, se compravam em qualquer loja. Perderiam todo o encanto e magia. Foi então que a menina-mulher-mãe decidiu escrever, juntamente com a sua filha, uma carta à Rainha das Fadas das Unhas. Nessa carta, efectuaram um especial pedido para que outra fada viesse ajudar e, de preferência, que fosse uma fada sem asas, para não voltar a voar nos parques e jardins. Claro, se houvesse alguma fada disponível… Na manhã seguinte lá estava a nova fada, de capa e varinha mágica, pronta para ser a forte aliada da menina, na tentativa de deixar de roer as unhas. Resultado: as unhas não voltaram a ser roídas e a fada até foi rapidamente dispensada do seu serviço.
A menina-mulher-mãe exercia a sua escrita também com outros fins: muitas vezes as filhotas solicitavam histórias. Elas inventavam o tema, algumas personagens, o cenário… e aparecia uma linda história de encantar, feita à medida dos seus sonhos e dos seus desejos.
Pela importância das histórias na vida das crianças e das suas famílias, pela relevância que têm como pilares na educação moral e cívica das crianças, pela extensão que podem e devem ser dos sonhos e da capacidade imaginativa das crianças, nasceu na menina-mulher-mãe esta ideia. Ideia que ali foi semeada por uma linda e luminosa lua de Março.
Era uma vez… a história que sonhou.